Artigo de Opinião da CCP | O reforço das garantias dos contribuintes
01 Mar 2021
Acaba de ser publicada a Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, que resulta da Proposta de lei n.º 43/XIV/1ª, apresentada pelo Governo, alegadamente para reforçar as garantias dos contribuintes e a simplificação processual.
O referido diploma introduz alterações na LGT, no CPPT, no RGIT, no RCPITA e até no Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, sendo que algumas consubstanciam um reforço dos direitos da administração fiscal e não das garantias dos contribuintes.
Damos nota das alterações que consideramos mais significativas:
A comunicação da informação bancária
A Lei 17/2019, de 14 de fevereiro, que aditou o artigo 10.º-A ao Decreto-Lei n.º 64/2016, veio introduzir a obrigatoriedade para as instituições financeiras de comunicarem à Autoridade Tributária e Aduaneira as informações relativas às contas financeiras por si mantidas cujo saldo ou valor agregado, no final do ano civil, exceda cinquenta mil euros, qualificáveis como sujeitas a comunicação, cujos titulares ou beneficiários sejam residentes em território nacional.
Portanto, a administração tributária passou a ter informação sobre as contas bancárias detidas e respetivo saldo.
Agora, passa também a ter informação sobre o valor dos fluxos de pagamentos que sejam feitos a qualquer contribuinte, o que inclui, por exemplo, o valor dos “Pagamentos efetuados através de Transferências Multibanco ou imediatas”, comunicadas através da Declaração Modelo 40. Esta obrigação que antes abrangia apenas os fluxos de pagamentos efetuados a sujeitos passivos que auferiam rendimentos da categoria B de IRS e de IRC, passa a ser aplicável a qualquer contribuinte (singular ou coletivo) tenha ou não atividade empresarial ou profissional.
Como a prática conhecida da administração fiscal é considerar (mal) que qualquer entrada em conta bancária constitui em qualquer situação um acréscimo patrimonial, antecipa-se a proliferação de procedimentos de inspeção por acréscimos de património não justificados.
A revisão das orientações genéricas
O n.º 4 do artigo 68.º-A da LGT impõe à AT o dever de rever as orientações genéricas, para evitar contencioso desnecessário, passando agora a ficar objetivadas as situações em que tal deve acontecer. Foram definidos como os requisitos definidos para o efeito, nomeadamente a existência de acórdão de uniformização de jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo ou jurisprudência reiterada dos tribunais superiores, manifestada em cinco decisões transitadas em julgado no mesmo sentido, sem que existam decisões dos tribunais superiores em sentido contrário.
Sendo louvável a objetivação, as perspetivas concretas de revisão das orientações genéricas não são animadoras, uma vez que os processos de impugnação demoram em média cerca de 10 anos a chegar a um Tribunal Superior.
As férias fiscais
Uma inovação que se afigura positiva prende-se com a introdução das férias fiscais. Com efeito, sabendo-se que a generalidade das empresas encerra os seus serviços em Agosto e que os prazos para reagir a algumas decisões da administração fiscal são reduzidos, foi aditado à LGT, o artigo 57.º-A, prevendo o diferimento e suspensão extraordinários de prazos, durante o referido mês de agosto.
Assim, as obrigações tributárias cujo prazo termine no decurso do mês de agosto podem ser cumpridas até ao último dia desse mês, independentemente de ser útil, sem quaisquer acréscimos ou penalidades.
Os prazos do procedimento tributário relativos aos atos praticados pelos contribuintes na generalidade dos procedimentos, incluindo as reclamações e os recursos hierárquicos, bem como ao exercício do direito de audição em quaisquer procedimentos ou de esclarecimentos solicitados pela administração tributária, que terminem no decurso do mês de agosto são transferidos para o primeiro dia útil do mês seguinte.
Caducidade da garantia
A garantia prestada para suspender a execução em caso de reclamação graciosa continua a caducar no prazo de um ano a contar da data da sua interposição, mas a verificação da caducidade passa a competir à administração fiscal, deixando de carecer de requerimento do contribuinte.
A garantia passa a caducar igualmente se na impugnação judicial ou na oposição não tiver sido proferida decisão em 1.ª instância no prazo de quatro anos a contar da data da sua apresentação e o interessado apresente requerimento no processo.
Penhora de dinheiro ou de outros valores depositados
A tramitação da penhora de dinheiro ou de outros valores depositados passa a constar de forma mais pormenorizada do artigo 223.º do CPPT, definindo-se que a penhora de depósito existente em instituição legalmente autorizada a recebê-lo é realizada mediante notificação efetuada por transmissão eletrónica de dados, e que a notificação deve conter a identificação do limite máximo a penhorar bem como a indicação de que as quantias depositadas, até àquele montante, ficam indisponíveis desde a data da penhora, salvo nos casos previstos na lei, mantendo-se válida por período não superior a um ano, sem prejuízo de renovação.
A instituição detentora do depósito penhorado deve, por transmissão eletrónica de dados ou através do Portal das Finanças, no prazo de cinco dias contados da penhora, comunicar o saldo penhorado e as contas objeto de penhora à data em que esta se considere efetuada, ou a inexistência ou impenhorabilidade da conta ou saldo.
Recebida a comunicação do saldo penhorado, o órgão de execução fiscal ordena, no prazo máximo de cinco dias, o levantamento das demais penhoras, caso o valor do saldo penhorado seja suficiente para a satisfação do valor em dívida, ou sendo esse valor insuficiente, a redução das penhoras nos valores respetivos, indicando à instituição detentora do depósito o montante e número da conta onde essa redução deve ocorrer.
Redução das coimas
São reduzidas de 75% para 50% do montante mínimo legal, as coimas pagas a pedido do agente se o pedido de pagamento for apresentado até ao termo do prazo para apresentação de audição prévia no âmbito de procedimento de inspeção tributária.
Adquirido o conhecimento da prática de infração, a AT passa a notificar o infrator para, no prazo de 30 dias, proceder à regularização da situação tributária, devendo tal notificação além da interpelação para proceder à regularização da situação tributária, informar sobre a possibilidade de exercício do direito à redução de coima.
Para além desta temática, em matéria de contraordenações tributárias, o diploma objetiva a dispensa e atenuação especial de coimas. Fica por fazer uma justificável revisão do montante das coimas, que assumem valores exorbitantes, nomeadamente no caso de falta de entrega da prestação tributária, prevista no artigo 114.º do RGIT. De facto, fixar coimas entre 15% e metade do imposto em falta para pessoas singulares ou entre 30% e o imposto em falta para pessoas coletivas, para as situações em que, por exemplo, é entregue a DP do IVA sem meio de pagamento, num período em que as empresas têm dificuldades de tesouraria provocadas pela falta de pagamento dos seus clientes, nos quais se inclui o Estado, é manifestamente desajustado, tendo, nomeadamente, em conta a gravidade da falta.
O procedimento de inspeção tributária e a reunião de Regularização
Surpreendentemente, o n.º 3 do artigo 28.º do RCPITA passou a prever que, para garantia da eficácia da ação inspetiva, o sujeito passivo está inibido da apresentação de declarações tributárias relativas a factos compreendidos no âmbito e extensão de procedimento de inspeção credenciado por ordem de serviço, desde o início do procedimento inspetivo até à sua conclusão. Isto é, ao contrário do que acontecia em que se incentivava o contribuinte a regularizar a sua situação tributária, agora para que a inspeção seja mais eficaz (apresente melhores resultados), o contribuinte fica impedido de voluntariamente regularizar qualquer facto abrangido pelo período de inspeção, tendo de esperar pela conclusão do procedimento de inspeção tributária para desencadear a regularização mediante requerimento dirigido ao dirigente do serviço competente para o procedimento de inspeção, apresentado no prazo concedido para audição prévia, com identificação das correções constantes do projeto de relatório relativamente às quais a regularização é pretendida, o que consubstancia uma manifesta violação do seu direito de regularização da situação tributária.
Recebido esse requerimento, é agendada uma reunião entre a entidade inspecionada, ou mandatário com poderes especiais para os efeitos previstos no presente artigo, o inspetor tributário e o dirigente do serviço competente para o procedimento de inspeção, com o objetivo de definir os exatos termos em que a regularização pretendida se deve concretizar, designadamente quais as obrigações declarativas a cumprir para o efeito pela entidade inspecionada, com detalhe do respetivo teor.
Os termos da regularização são reduzidos a escrito devendo a entidade inspecionada proceder voluntariamente ao cumprimento das obrigações dele constantes, no prazo de 15 dias após a realização da reunião.
A assinatura pela entidade inspecionada ou por quem a legalmente represente do documento de regularização preclude o direito de sindicar a legalidade das correções projetadas objeto do documento assinado, caso proceda à regularização no prazo previsto.
Afigura-se estarmos no domínio de um sério atentado aos direitos dos sujeitos passivos que se veem impossibilitados de corrigir a sua situação tributária, tendo de se sujeitar a um procedimento específico para o efeito.
– artigo de opinião do Gabinete Fiscal da CCP