Artigo de Opinião | Sócios-gerentes: contribuintes mas não beneficiários da Segurança Social

17 Abr 2020

O Governo tem vindo a tomar um conjunto de medidas para mitigar os impactos sociais e económicos da pandemia da doença Covid-19, nomeadamente apoios à proteção de postos de trabalho, flexibilização e diferimento do pagamento das obrigações fiscais e contributivas, linhas de crédito, moratórias bancárias e moratórias no pagamento de rendas.

É preciso dizer, de forma clara, que as medidas são positivas, procurando desonerar a pressão na tesouraria das empresas afetadas, e denotam a consciência dos perigos existentes para a economia caso não se protejam as empresas e os seus postos de trabalho.

Porém, também é preciso dizê-lo, têm sido tomadas a conta-gotas e muitas vezes com redações pouco claras, que dão aso a que os burocratas da administração pública compliquem a sua operacionalização. Para além disso, nalgumas medidas, o Governo está a ser muito contido, para não dizer ‘economicista’, de forma a não prejudicar em demasia o desempenho das contas públicas.

Um dos exemplos mais flagrantes é o do regime de apoio aos sócios-gerentes.

Uma das primeiras e mais importantes medidas desenvolvidas pelo Governo foi a criação de um mecanismo de proteção dos postos de trabalho, nomeadamente através da criação de um regime simplificado da redução temporária do período normal de trabalho ou suspensão de contrato de trabalho – que se tem designado de lay-off simplificado.

Este regime consagra a possibilidade das empresas em situação de crise empresarial poderem beneficiar de um apoio financeiro extraordinário, por trabalhador, destinado exclusivamente ao pagamento de remunerações, durante períodos de redução temporária de horários de trabalho ou suspensão dos contratos de trabalho.

Até dia 13 de abril, cerca de 70 mil empresas já tinham apresentado requerimento para aceder a este mecanismo, colocando cerca de um milhão de trabalhadores em lay-off.

Todavia estavam excluídos do acesso a este apoio os sócios-gerentes.

Após muita reivindicação das confederações patronais e das associações empresariais, o Governo ajustou a legislação e criou o que se tem chamado de regime de apoio aos sócios-gerentes, mas que, na prática, não é mais do que uma mão cheia de nada.

O regime criado é claramente insuficiente e desadequado da realidade do tecido empresarial português, não respondendo às dificuldades vividas no terreno por um conjunto muito alargado de empresários que se viram na obrigação de encerrarem ou suspenderem atividade, por tempo indeterminado, por determinação administrativa.

Peca, desde logo, por não apoiar os sócios-gerentes das empresas que tenham algum trabalhador por conta de outrem, criando uma injusta e incompreensível distinção entre sócios-gerentes de empresas com trabalhadores e sem trabalhadores.

Como é sabido, a generalidade das microempresas portuguesas dispõe, para além de um ou dois sócios-gerentes, de pelo menos um trabalhador ao seu serviço. É assim no comércio a retalho, na restauração como nas diversas atividades de prestação de serviços ao consumidor. Excluir estas situações é deixar de fora a grande maioria dos sócios-gerentes das microempresas portuguesas. Curiosamente, aqueles que maiores custos têm de assumir, decorrentes, nomeadamente, da existência de contratos de trabalho.

Por outro lado, o diploma peca, também, ao definir como limite um valor inferior a 60 mil euros de faturação para se poder aceder ao apoio. Trata-se de um valor ridículo e que esquece que a faturação e as margens de negócios são muito variáveis consoante os subsectores de atividade a que respeitam.

É preciso lembrar que os sócios-gerentes fazem descontos para a Segurança Social à semelhança de quaisquer outros trabalhadores, assim como as entidades empregadoras sobre as suas remunerações.

Embora não fosse preciso, é preciso, também, lembrar que uma parte significativa das empresas está encerrada por determinação administrativa e não por opção.

É preciso lembrar, ainda, que esta crise, à escala planetária, não é imputável a quaisquer atos de gestão de nenhum sócio-gerente.

Não é, por isso, nem digno nem justo que sejam marginalizados.

É, assim, mais do que legitimo que o Governo estenda este regime de apoio a todos os sócios-gerentes de micro e pequenas empresas portuguesas que estejam em situação de crise empresarial, ainda que, no caso das empresas que se mantenham em atividade de forma reduzida, pelo menos um dos sócios-gerentes deva estar ao seu serviço e, por isso, sem acesso ao regime.

Só, assim, é que se protege e evita a discriminação de um conjunto de profissionais que dão, todos os dias, um importante contributo à sua região e ao seu país: investindo, arriscando, assumindo garantias pessoais para financiar o desenvolvimento da empresa, criando emprego, pagando impostos sobre tudo e mais alguma coisa, gerando desenvolvimento económico e social.

Não é aceitável que quando precisam, o Estado lhes vire as costas dizendo que são contribuintes, mas não podem ser beneficiários do sistema de segurança social.

– artigo de opinião do Diretor Geral da ACB, Rui Marques, no Jornal Correio do Minho

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