Artigo de opinião CCP | IVA liquidado por “fora” ou por “dentro”

01 Abr 2022

No âmbito de procedimentos de inspeção, quando está em causa uma liquidação adicional de imposto, porque o contribuinte considerou que a operação não estava sujeita a imposto ou porque estava sujeita a uma taxa inferior à considerada, a administração tributária, de uma forma sistemática, determina o imposto em falta por fora.

Com efeito, a redação das verbas constantes das Tabelas anexas ao Código do IVA é tão sucinta que, nalguns casos, acertar com o enquadramento de um produto é quase uma questão de sorte, o que provoca abundante contencioso com a administração fiscal.

É o que acontece com frequência em grandes superfícies que comercializam milhares de produtos, com as mais variadas designações comerciais e composições, cujo enquadramento nas diferentes verbas não é inequívoco, e que têm, normalmente como clientes consumidores finais, que frequentemente não se identificam com o seu número de identificação fiscal.

Como consequência, o contribuinte inspecionado, nestes termos tem de suportar o IVA que não repercutiu nem recebeu dos seus clientes, o que se afigura contrário à essência de um imposto que incide em todas as fases do circuito económico e tributa, tendencialmente, a despesa materializada no ato de consumo.

De facto, a construção do IVA teve em vista a tributação da riqueza manifestada em cada ato de consumo, de tal modo que, face ao mecanismo de repercussão, o sujeito passivo da obrigação de pagamento de tal imposto perante o Estado acaba por ser o titular da capacidade contributiva, isto é, o consumidor final que através de cada ato de consumo evidencia uma capacidade contributiva e é essa capacidade contributiva que é objeto de tributação.

Ora, estes mesmos princípios básicos foram explicitados no Acórdão do Tribunal de Justiça de 24.10.1996, no Processo C-317/94 (Elida Gibbs) quando o Tribunal recorda que “o princípio de base reside no facto de o sistema do IVA ter como objetivo onerar unicamente o consumidor final. Consequentemente, a matéria coletável do IVA a cobrar pelas autoridades fiscais não pode ser superior à contrapartida efetivamente paga pelo consumidor final, sobre a qual foi calculado o IVA que recai sobre esse consumidor”.

Mais recorda o Tribunal que “o IVA não onera os sujeitos passivos, mas, ao intervirem no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação final, qualquer que seja o número de transações que tenham lugar, estes apenas são obrigados, em cada fase desse processo, a cobrar o imposto por conta da administração fiscal e a entregar a esta os respetivos montantes”.

E, finalmente conclui que “resulta do que antecede que, tendo em conta, em cada caso, o mecanismo do IVA, o seu funcionamento e o papel dos intermediários, a administração fiscal não pode, em definitivo, cobrar um montante superior ao que foi pago pelo consumidor final”.

O mesmo entendimento veio a ser reafirmado no Acórdão do TJUE de 22.11.2018, no Processo C-295/17 (MEO-Serviços de Comunicações e Multimédia, SA), como se transcreve: “Por outro lado, dado que o sistema do IVA tem como objetivo onerar unicamente o consumidor final, o valor tributável do IVA a cobrar pelas autoridades fiscais não pode ser superior à contraprestação efetivamente paga pelo consumidor final, sobre a qual foi calculado o IVA que recai em definitivo sobre esse consumidor (v., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 1996, Elida Gibbs, C 317/94, EU:C:1996:400, n.º 19)”.

Também o recente Acórdão do TJUE, de 01.07.2021, no Processo C 521/19, veio considerar que, mesmo nos casos de fraude, em que não foi emitida fatura nem incluídos os rendimentos gerados numa declaração a título de impostos diretos, “deve considerar se que a reconstituição, no âmbito da inspeção de tal declaração, dos montantes pagos e recebidos durante a operação em causa levada a cabo pela Administração Tributária em causa é um preço que já inclui o IVA”. e, consequentemente, o IVA deve ser calculado por dentro.

Por maioria de razão, também no setor do retalho, o procedimento deve ser o mesmo.

De facto, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei nº 138/90, de 26 de abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 162/99, de 13 de maio, todos os bens destinados à venda a retalho devem exibir o respetivo preço de venda ao consumidor e, esse preço deve incluir todos os impostos, taxas e outros encargos que nele sejam repercutidos, de modo que o consumidor possa conhecer o montante exato que tem a pagar.

É igualmente por força da referida legislação que o artigo 39.º do Código do IVA permite que nas faturas emitidas por retalhistas possa ser indicado o preço com inclusão do imposto e a taxa ou taxas aplicáveis.

E, em consequência, nos termos do artigo 49.º do referido Código a base tributável e o imposto devido são determinados por dentro, partindo sempre do valor pago pelo consumidor final, que já não pode ser alterado, e o IVA a apurar (seja à taxa normal ou reduzida) tem de conter-se no preço final exigido e suportado pelo consumidor final e que consubstancia a despesa sujeita a imposto.

É certo que, no Acórdão do TJUE, de 07.11.2013, no Processo C-249/12, o Tribunal subordinou a determinação do IVA por dentro à impossibilidade de recuperação do IVA pelo fornecedor: “quando o preço de um bem tenha sido determinado pelas partes sem menção do IVA e o fornecedor do referido bem seja o devedor do IVA devido sobre a operação tributada, e caso o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar junto do adquirente o IVA reclamado pela administração fiscal, se deve considerar que o preço convencionado já inclui o IVA”.

Ora, é o que, em regra, acontece. No retalho, a maioria das operações são feitas com não identificados consumidores finais e, em termos práticos, nenhum fornecedor, passados alguns anos, vai repercutir (com efeito duvidoso) sobre os seus clientes, o imposto entretanto liquidado pela administração fiscal.

Neste contexto, a mencionada jurisprudência foi seguida no CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, no âmbito de processo recentemente decidido.

 

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