Opinião | Incentivos de base territorial – como fazer de conta que se apoiam as pequenas empresas
11 Out 2024

No passado dia 30 de setembro, abriram candidaturas para 8 avisos de concurso no âmbito do Sistema de Incentivos de Base Territorial no NORTE 2030.
Cada aviso corresponde à área territorial de cada uma das CIM – Comunidades Intermunicipais da região Norte, definindo para cada uma destas áreas territoriais o respetivo conjunto de atividades económicas elegíveis (que pode variar de Aviso para Aviso) e a respetiva dotação orçamental (que varia, igualmente, para cada Aviso).
Esta multiplicação de avisos para um mesmo Sistema de Incentivos permite, desde logo, antecipar a falta de capacidade de consensualizar com as respetivas CIM uma linha comum de apoio, assim como a tendência da administração pública para complicar o que é simples – seria mais adequado um aviso de candidatura que previsse dotações orçamentais especificas para cada CIM.
O Sistema de Incentivos de Base Territorial é um programa previsto no Acordo de Parceria do Portugal 2030 para apoiar investimentos de pequena dimensão de micro e pequenas empresas para expansão ou modernização da sua atividade e que contribuam para o emprego e para a modernização e resiliência das economias locais.
Como na sua génese está a base territorial, a sua operacionalização foi entregue aos Programas Operacionais Regionais e estes, por sua vez, articulam-nos com as respetivas CIM de cada sub-região.
A opção tomada pelo Estado Português de desenhar uma medida de apoio específica para o tecido empresarial de pequena dimensão, nomeadamente dos setores da indústria e turismo, i.e. dos setores exportadores, parece-me totalmente justa e adequada. De facto, mais de 95% das empresas portuguesas são de micro ou pequena dimensão, desempenhando um papel crucial na criação de emprego e riqueza nos seus territórios, e, de uma forma geral, têm um acesso muito limitado aos sistemas de incentivos empresariais geridos pelo Programa Operacional COMPETE 2030.
A gestão desta medida ser feita de forma mais próxima das empresas, ou seja, ao nível dos PO Regionais, também me parece uma opção sensata. Contudo, o amplo espaço de manobra que foi dado a cada PO Regional, e a cada CIM, para definirem a seu bel-prazer as prioridades dos projetos a apoiar, já tenho sérias dúvidas que tenha sido uma boa opção.
Conceptualmente, até poderá fazer sentido cada território definir as suas prioridades. Porém a prática demonstra que não existe base sólida de fundamentação para as opções tomadas e, se formos pragmáticos, não há nenhum benefício evidente, bem pelo contrário, de determinar um conjunto reduzido de CAE dentro de cada grande secção das atividades económicas. Isto para não falar das injustiças que são criadas ao nível da concorrência.
Exemplificando: é mais simples, eficaz e adequado permitir candidaturas de todas as indústrias extrativas e transformadoras em qualquer sub-região do país a esta medida, do que estar a limitar a meia dúzia de tipologias de indústrias transformadoras que se crê ser (seja qual for o critério para o determinar) mais relevantes para o território.
No caso do distrito de Braga, por exemplo, sobrepõem-se os Avisos para os territórios das CIM do Ave e do Cávado.
No caso do Aviso para a sub-região do Ave, podem candidatar-se projetos de investimento oriundos de quaisquer indústrias extrativas ou transformadoras e projetos de atividades de animação turística, já no caso da sub-região do Cávado apenas se podem candidatar projetos de investimento de 4 divisões da CAE – Classificação das Atividade Económicas da secção das indústrias transformadoras: Fabricação de equipamentos informáticos, equipamento para comunicações e produtos eletrónicos e óticos (CAE 26); Fabricação de Têxteis (CAE 13); Indústria do vestuário (CAE 14); e Fabricação de produtos metálicos, exceto máquinas e equipamentos (CAE 25). Ficam, por isso, de fora no território da CIM Cávado, face à sub-região do Ave, os projetos das 5 divisões da indústria extrativa, de 20 divisões da indústria transformadora e os projetos das empresas de animação turística.
Impõe-se a questão: existem diferenças tão relevantes no tecido empresarial das regiões do Ave e do Cávado que justifiquem estas opções tão diferentes? Todos sabemos que não. Este é apenas um exemplo evidente da desvantagem do amplo espaço de manobra que foi dado aos Organismos de Gestão e Organismos Intermédios na operacionalização desta medida. Mas existem mais, como a falta de consistência das opções dos projetos a apoiar com a estratégia de especialização inteligente da região Norte.
Mas, este nem sequer é o maior defeito da medida. O mais gravoso, e que provavelmente até está na base das desigualdades no acesso à medida em função da natureza da atividade económica e da localização do projeto, tem a ver com o envelope financeiro que lhe está acometido.
Nesta fase, foram apenas alocados 32,8 milhões de euros para toda a região Norte, sendo que destes cerca de 20 milhões estão reservados para os territórios de baixa densidade. A distribuição por CIM é completamente incompreensível, com as sub-regiões do Ave e do Cávado a serem, pasme-se, as “recordistas” pela negativa, i.e. as que têm menos orçamento disponível.
No caso do Cávado são apenas 2,5 milhões de euros, dos quais 546 mil euros estão reservados para projetos de baixa densidade e 1,95 milhões de euros para projetos de outros territórios. Contas feitas, considerando que a taxa de cofinanciamento destes projetos ascende a 60% nos projetos de baixa densidade e de 50% nos outros territórios, e que o valor máximo de investimento de cada candidatura é de 300 mil euros, pode-se dar o ridículo de, no território da CIM Cávado, 3 candidaturas da baixa densidade e 13 candidaturas dos outros territórios poderem esgotar o orçamento disponível.
Se o orçamento para a região Norte, e para cada uma das suas sub-regiões, fosse 10 vezes superior continuaria a ser demasiadamente baixo, assim é simplesmente ridículo. Replicando o nome de um programa televisivo, é caso para dizer «isto é gozar com quem trabalha».
Por estas e por outras é que, 38 anos depois de aderirmos à União Europeia, a região Norte continua a ser a região mais pobre do país e a não conseguir convergir com a Europa.