Opinião | Como o Mecanismo de Ajuste de Carbono nas Fronteiras pode afetar o Comércio Internacional
13 Set 2024
O Mecanismo de Ajuste de Carbono nas Fronteiras (CBAM) é uma iniciativa da União Europeia (UE) para combater as alterações climáticas e promover o cumprimento do objetivo de neutralidade climática da UE, o mais tardar, até 2050, dando resposta ao risco de fuga de carbono decorrente do aumento da ambição europeia em matéria de clima. Devido à relevância económica da Europa à escala global, espera-se que esta iniciativa também contribua, indiretamente, para a promoção da descarbonização em países terceiros.
Até agora, a UE respondia ao risco de fuga de carbono (i.e., risco de deslocalização para países em que o carbono tenha custos inferiores aos impostos pela UE) com a atribuição gratuita de licenças de emissão CELE (Comércio Europeu de Licenças de Emissão) aos setores que apresentassem o referido risco. O objetivo era incentivar os fabricantes a permanecer na UE, cumprindo as ambiciosas regras ambientais europeias. Com a entrada em vigor do CBAM esse benefício irá cessar e será substituído pela imposição, por parte da UE, de um preço de carbono às importações de certas mercadorias provenientes de países terceiros com padrões ambientais menos rigorosos.
O CBAM consiste, assim, num mecanismo de custos adicionais de certas mercadorias para a UE, de modo a promover uma concorrência justa entre as mercadorias fabricadas na UE e as mercadorias não fabricadas na UE, para que, nos casos em que as mercadorias importadas não paguem um preço de carbono nos seus países de origem em termos semelhantes aos aplicáveis na UE, o façam quando derem entrada na UE.
A lista de mercadorias abrangida pelo CBAM é determinada pela UE, em função das emissões de gases com efeito de estufa e o risco de fuga de carbono, e atualmente é composta por: ferro, aço e alumínio, refinarias, eletricidade e hidrogénio, cimento, produtos químicos de base e adubos (fertilizantes). Todavia, a UE já fez saber que, no futuro, a lista vai aumentar.
Note-se que o CBAM engloba não só a importação das mercadorias mencionadas, mas também os produtos transformados dessas mercadorias no âmbito do regime aduaneiro de aperfeiçoamento ativo, o que estende o CBAM a um conjunto muito mais alargado de empresas.
Assim, o CBAM aplica-se aos importadores de mercadorias elegíveis, que só as podem importar se tiverem o estatuto de Declarante CBAM Autorizado. Obtido o estatuto, devem os mesmo apresentar um relatório anual que demonstre a pegada carbónica das mercadorias importadas no ano anterior, comprar os certificados CBAM em número que cubra as emissões calculadas e, por fim, devolver tais certificados às autoridades no ano seguinte ao das importações.
O preço de cada certificado é o da média dos leilões CELE da semana anterior à compra. Os certificados têm o valor unitário de 1 tonelada de CO2 emitida (atualmente o valor seria de cerca de 100 euros por certificado) e são emitidos sem limite, mas não são transacionáveis, nem podem ser acumulados indefinidamente no tempo.
Atualmente está em curso um período transitório, que durará até ao final de 2025, durante o qual as empresas apenas estão obrigadas a obrigações declarativas. Trata-se de uma fase de recolha de dados para preparar a imposição do preço de carbono às importações a partir de 2026. No entanto, o incumprimento das obrigações declarativas durante o período transitório tem sanções associadas.
A implementação do CBAM vai trazer um conjunto de oportunidades para as empresas europeias. Salientando-se, desde logo, o fomento de uma concorrência mais justa, que procurará que as empresas europeias não sejam prejudicadas por concorrentes internacionais que estejam sujeitos a regulamentações ambientais menos rigorosas, o que propiciará um aumento da competitividade global das empresas europeias.
Para além disso, a implementação deste mecanismo vai promover práticas de produção mais limpas e incentivar a inovação em tecnologias verdes e práticas sustentáveis, uma vez que as empresas procurarão reduzir as suas emissões para evitar custos adicionais, o que poderá fomentar a melhoria da reputação das empresas europeias, bem como potenciar novas oportunidades de negócio.
No entanto, a implementação do CBAM acarretará, também, um conjunto de desafios e dificuldades que irão impactar bastante a rentabilidade e competitividade global das empresas europeias, nomeadamente o aumento dos custos de contexto decorrente da necessidade de se comprar certificados CBAM e de eventuais sanções decorrentes do incumprimento, por falta de conhecimento, das complexas regras associadas, assim como o aumento da carga administrativa para as empresas, que precisarão de monitorizar e relatar as suas emissões de carbono de forma mais rigorosa.
Acresce, ainda, um risco, bastante perigoso, de retaliação de países terceiros com as suas próprias medidas protecionistas, que poderão prejudicar significativamente as exportações das empresas europeias para fora da UE.
O CBAM representa um importante passo para a Europa na luta contra as alterações climáticas e na promoção de uma economia mais justa e sustentável, mas que poderá suscitar um aumento das tensões nas relações comerciais da UE com a China e outros países menos sensíveis às questões ambientais, o que poderá provocar dificuldades acrescidas nas cadeias de abastecimento e causar o estabelecimento de medidas mais restritivas no comércio internacional. Evidente é que irá impor novas obrigações significativas às empresas. Nesse âmbito, é imperioso que a UE esteja consciente dos desafios que as PME enfrentam e fique muito vigilante nos impactos que decorrem da sua implementação, devendo prever a criação de um conjunto de mecanismos de apoio financeiro e técnico para ajudar as empresas europeias a se adaptarem às novas regras.