OPINIÃO I OE 2024 – um orçamento ao serviço dos Estado e dos seus dependentes

20 Out 2023

O Governo apresentou no passado dia 10 de outubro, na Assembleia da República, a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2024 (OE2024).

Segundo o Governo, este Orçamento dá resposta a três prioridades fundamentais: mais rendimentos, mais investimento e melhor futuro.

No domínio da valorização dos rendimentos, o Governo refere que o OE2024 traz uma redução do IRS e aumentos acima da inflação de salários, pensões e prestações sociais. Refere, ainda, que se trata de um Orçamento que promove o investimento (prevendo um aumento de 0,5 pontos percentuais) e que protege o futuro (ao prever um excedente orçamental de 0,2% do PIB).

Apesar da habitual habilidade do Governo a “dourar a pílula”, fazendo parecer o Orçamento aquilo que na prática não é, uma parte significativa da população está desapontada e desiludida com a falta de vontade do Governo em resolver os problemas concretos das famílias e das empresas.

Confesso que não faço parte do lote dos desiludidos. Não por estar satisfeito com as medidas, mas antes por já não esperar medidas reformadoras e estruturantes por parte deste Governo.

O Orçamento do Estado é um documento de natureza essencialmente financeira, que, infelizmente, apenas revela, com maior ou menor transparência, onde é que o Estado vai capturar os nossos recursos e rendimentos e onde é que os vai gastar. Quem espera deste documento uma estratégia para a economia e para o desenvolvimento do país que se desengane, ainda não é em 2024 que a vai encontrar.

Mas, atentemos ao que o OE2024 prevê para as três prioridades que o Governo elegeu como fundamentais para o Orçamento dar resposta:

1/ Rendimentos

Para aumentar o rendimento dos trabalhadores e das famílias, prevê a descida das taxas de IRS para rendimentos até ao 5º escalão, o aumento do salário mínimo nacional para 820 euros e a valorização nominal das remunerações por trabalhador de 5% (prevista no âmbito do Acordo de Rendimentos celebrado com os parceiros sociais).

No entanto, a perda de receita de IRS é largamente compensada com o aumento da receita dos impostos indiretos (cerca de 3,3 mil milhões de euros) que, socialmente, são muito mais injustos – situação que gera o efeito perverso das famílias com rendimentos mais baixos, nomeadamente as que estão isentas do pagamento de IRS, passarem a pagar mais impostos. O Governo compensa, ainda, a diminuição da arrecadação de receita em sede de IRS, com o agravamento do IUC para os veículos mais antigos, precisamente aqueles que, na generalidade dos casos, pertencem às pessoas de menores rendimentos.

A diminuição das taxas de IRS em si mesmo é pouco significativa e abrange apenas uma parte dos portugueses. Pouco significativa porque não gera uma devolução de rendimentos relevante às famílias e pouco abrangente porque apenas incide nos salários até 1939 euros / mensais. Ou seja, para o Governo quem recebe um salário mensal de 2000 euros pertence à classe alta, uma vez que a baixa do IRS foi apresentada como uma medida de apoio à classe média.

O aumento do salário mínimo nacional para 820 euros e a atualização salarial de 5% prevista no âmbito do Acordo de Rendimentos, estas sim correspondem a medidas efetivas de melhoria dos rendimentos dos portugueses, mas quem as suporta são exclusivamente as empresas e as outras entidades empregadoras. Tentar tirar dividendos políticos desta valorização salarial é inaceitável, porque o Governo não manifestou nenhuma disponibilidade para diminuir as contribuições das empresas, de forma a estimular e apoiar esta atualização salarial que, em rigor, não tem qualquer fundamento económico, nomeadamente ao nível da produtividade ou do crescimento económico.

2/ Investimento

No que ao investimento público diz respeito, a proposta de Orçamento aponta para um aumento de 0,5 pontos percentuais, mas como acreditar num Governo que, em 2022, deixou por executar 1,5 mil milhões de euros, a que se somou mais 1,2 mil milhões de euros, em 2023.

Ao nível do investimento privado, as medidas de estímulo ao investimento e à capitalização das empresas portuguesas são insuficientes ou inconsequentes. No caso do investimento estrangeiro, para além de não existir qualquer alívio da carga fiscal que incide sobre as empresas para tornar Portugal um destino mais competitivo (apenas se salienta uma ligeira redução das tributações autónomas sobre encargos com viaturas), esta situação é agravada com o fim dos “vistos Gold” para efeitos de atividades de investimento e com a promulgação do Programa Mais Habitação, que coloca um enorme garrote no investimento em Alojamento Local.

3/ Futuro

A redução da dívida pública para um valor abaixo dos 100% do PIB e o excedente orçamental de 0,2% do PIB são, claramente, pontos positivos deste Orçamento, e correspondem aos eixos fundamentais para aquilo que o Governo tem designado de “contas certas”.

Mas como é que se alcança o excedente orçamental em 2024? Pela contenção da despesa pública? Não. Pelo aumento da contribuição da procura externa? Não. Pelo nível de crescimento económico? Também não. Pela diminuição da carga fiscal? Nem pensar.

Em matéria de despesa pública, prevê-se uma subida do seu peso de 42,6% do PIB para 44,5%, embora, lamentavelmente, a qualidade dos serviços prestados continue a degradar-se a uma velocidade vertiginosa nas áreas fundamentais do serviço público (saúde, educação, transportes, habitação).

Ao nível da procura externa líquida, a previsão é que esta dê um contributo negativo para o Produto Interno Bruto, em resultado de aumento das importações (3,2%) superior ao das exportações (2,5%).

Em termos de crescimento económico, a proposta de Orçamento aponta que, em 2024, o PIB irá crescer 1,5%. Abaixo, portanto, dos 2,2% do corrente ano e dos 4% que se estimam ser necessários para conseguirmos iniciar uma trajetória de convergência com a Europa.

Já a carga fiscal deverá subir para os 38%, um novo recorde histórico que, lamentavelmente, dá continuidade a uma trajetória que se iniciou com a chegada do PS ao Governo em 2015.

Por outro lado, nos últimos dois anos (2022 e 2023) à boleia da inflação, o Estado cobrou mais 13 mil milhões de euros de impostos e contribuições do que aquilo que tinha orçamentado, o que nos deve levar a questionar como é que foram alcançadas as “contas certas” nestes dois exercícios. Infelizmente os portugueses sabem a resposta: graças ao sufoco fiscal a que são sujeitos e que não alivia mesmo em situações de asfixia como a que vivemos – inflação, taxas de juro elevadíssimas, habitação a preços descontrolados, energia e combustíveis a preços recorde, etc.

Estamos, por isso, perante mais um Orçamento que apenas serve os interesses do Estado e que procura assegurar recursos para continuar a “entregar mimos” aos seus dependentes (funcionários públicos e beneficiários de prestações sociais) e assim assegurar a continuidade no poder do partido que suporta o Governo. O desenvolvimento da economia e o desagravamento fiscal das empresas, das famílias e dos trabalhadores ficam para outras núpcias, porque esses, ao que parece, não decidem eleições.

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