Artigo de opinião | Semana de 4 dias de trabalho – a arte de desviar as atenções

18 Nov 2022

A decisão do governo de avançar, no próximo ano, com uma experiência-piloto para a implementação da semana de 4 dias de trabalho em Portugal é completamente extemporânea e desprovida de qualquer racional económico ou estratégico para o reforço da competitividade das empresas portuguesas.

O momento não podia ser mais desadequado e até deselegante com os parceiros sociais. Poucos dias depois da celebração do “Acordo de médio prazo para a melhoria dos rendimentos, dos salários e da competitividade” que procura convergir os salários dos portugueses com a média da União Europeia e acelerar o crescimento da produtividade, o governo decide introduzir na agenda mediática um ruído desnecessário e despropositado para o ambiente laboral, desfocando-se dos objetivos fundamentais do Acordo.

É, também, um momento inoportuno, na medida em que Portugal, à semelhança do resto da Europa, vive um contexto económico e social completamente desfavorável e os tempos que se avizinham anteveem-se de grandes dificuldades. A crise energética, a inflação galopante, o aumento repentino e acentuado das taxas de juro e a falta de profissionais em diversos setores são desafios de enorme complexidade com que as empresas se debatem todos os dias, e para os quais não existe uma solução mágica. O governo devia, por isso, era estar preocupado e empenhado em criar condições para que as empresas ultrapassem estas dificuldades, porque este não é o momento para se fazerem experiências. É o tempo de agir nos problemas efetivos que nos podem conduzir a uma crise económica profunda.

Não faz qualquer sentido colocar na ordem do dia um tema não prioritário e tão sensível para as empresas e trabalhadores como é o da redução da jornada de trabalho semanal para 4 dias. Francamente, esta opção só se justifica como uma tática política para desviar as atenções dos problemas sérios que o país vive e para disfarçar a incapacidade do executivo em criar medidas e programas estruturados que minimizem estes problemas.

Mas, para além do timing desadequado e inoportuno, a experiência-piloto parece-me que parte de premissas muito pouco sustentadas e aposta mal no grupo de teste.

Lembre-se que esta experiência é dirigida exclusivamente a empresas privadas, que se voluntariem a nela participar, e que deverá decorrer ao longo de 6 meses. A ideia fundamental é que se reduza um dia de trabalho por semana, sem que esta redução conduza a um aumento da carga horária nem envolva um corte salarial. O Estado não oferece qualquer contrapartida às empresas que adiram ao experimentalismo desta iniciativa.

Não deixa, no entanto, de ser curioso que a maior parte dos exemplos internacionais a que proposta de governo alude para avançar com esta experiência em Portugal tenha sido realizada em serviços ou organismos da Administração Pública. No entanto, em Portugal, o governo entendeu que a experiência devia ser testada nos privados e, posteriormente, analisada a possibilidade de ser implementada no setor público. Francamente, acho que o governo não se deve imiscuir nas relações laborais das empresas privadas.

As empresas não precisam de iniciativas governamentais para implementarem ou testarem medidas relacionadas com as formas de organização do trabalho, tempo de trabalho ou modelos de remunerações. Podem e devem fazê-lo, de forma voluntária, em acordo com os seus trabalhadores, caso as suas condições de exploração e taxas de rendibilidade assim o permitam.

Reduzir a carga de trabalho num dia por semana equivale a uma redução de 20% da capacidade de resposta das empresas, o que é absolutamente insustentável para a generalidade das empresas e setores de atividade e pode significar um enorme revés na competitividade das empresas portuguesas em termos internacionais.

É óbvio que mais horas de trabalho não significam mais produtividade. Mas também não existe qualquer evidência, nas experiências internacionais já testadas, de que a implementação desta medida promova um aumento efetivo da produtividade das empresas e que este, a acontecer, seja capaz de financiar o aumento de custos para as empresas manterem a mesma capacidade produtiva.

Naturalmente que é desejável que se promova um maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e que se propicie uma melhor qualidade de vida às pessoas, mas é preciso muita prudência na importação de modelos que podem eventualmente até funcionar em países com culturas muito diferentes das nossas e com níveis de desenvolvimento igualmente muito diferentes dos nossos. Por algum motivo, o governo não estendeu a medida à função pública!

Certo é que as empresas já saíram a perder com este anúncio experimentalista do governo porque, quer se queira quer não queira, a discussão pública da medida tem um enorme impacto nas expectativas das pessoas, que, não sendo atendidas, vão naturalmente gerar descontentamento e desmotivação. E num contexto já adverso por si só, juntar-lhe ainda mais este imbróglio é um fardo que as empresas bem dispensavam.

– artigo de opinião do Diretor Geral da AEB, Rui Marques, no Jornal Correio do Minho

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