Opinião | Quando a política prefere a demagogia à solução

28 Fev 2025

Na sequência da aprovação pelo Governo de uma alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), conhecido como Lei dos Solos, o país político entrou numa espécie de espiral esquizofrénica da qual teima em não querer sair.

Os partidos dos extremos do espectro partidário português resolveram criar um caso acerca de um suposto conflito de interesses ou de falta de isenção dos membros do Governo nesta alteração legislativa por deterem participações em sociedades imobiliárias.

Se já estávamos habituados à suspeição sobre tudo e sobre todos da extrema-esquerda, agora também a extrema-direita alinha neste diapasão, em ambos os casos de forma puramente tacticista, seja na procura de um ‘sound bite’ televisivo para capitalizar com o descontentamento e desconfiança dos portugueses com os políticos em geral ou, e neste caso o mais provável, para escamotear e desviar as atenções dos comportamentos condenáveis e eticamente reprováveis dos seus próprios partidos e representantes – veja-se o caso dos despedimentos de mulheres grávidas no Bloco de Esquerda ou as acusações graves que recaem sobre um conjunto de deputados e militantes destacados do Partido Chega.

Infelizmente, a imprensa portuguesa dá cobertura a estes comportamentos demagógicos, permitindo que as acusações destes falsos arautos da ética se transformem em assuntos políticos que a sociedade perde depois demasiado tempo a discutir.

A ‘diabolização’ da figura do empresário é um estratagema a que recorrentemente alguns quadrantes e agentes políticos recorrem para levantar suspeitas sobre interesses obscuros e ilegítimos dos governantes. O princípio em si mesmo é injusto e a todos os títulos reprovável. Porque querer associar o ato de ser detentor de uma participação numa sociedade a uma coisa negativa é um disparate. São as empresas que criam desenvolvimento e progresso. São as empresas que investem, inovam, criam emprego, geram riqueza e fomentam o progresso económico e social das comunidades onde se inserem. Por isso, ter uma empresa não é defeito, é uma virtude.

Mas ser empresário em Portugal não é fácil. Persiste o anátema de que se se tem sucesso é porque algum ilícito se faz. Olha-se para o lucro das empresas como um ‘pecado mortal’, como um aproveitamento ilegal de algo ou de alguém, em vez de ser encarado como o resultado de quem arrisca, de quem investe, de quem inova, de quem cria, de quem sacrifica muito para poder ambicionar ter uma vida melhor. Os empresários portugueses não são uns malfeitores, são sim uns verdadeiros heróis nacionais, que apesar de todas as dificuldades que o país lhe impõe, teimam em querer ajudar Portugal a crescer, a desenvolver-se, a internacionalizar-se, a ser um país melhor.

Infelizmente, para estes demagógicos, parece que a experiência de gestão não é uma competência chave para se ser um bom governante. Parece que a experiência de liderar equipas e motivar colaboradores também não interessa. Nem interessa a experiência de tomar decisões estratégicas, mesmo sob pressão.

Porém, o ridículo da situação não se esgota nesta associação disparatada. As acusações de conflito de interesses, de parcialidade ou de falta de isenção dos membros do Governo por deterem participações em sociedades imobiliárias, é uma demagogia que se estende a outras dimensões.

Pergunto: se um governante for pai, vê a sua isenção diminuída se tiverem em causa medidas de apoio à natalidade? Se estiver em causa uma alteração legislativa ao código do IVA, um governante fica diminuído na sua isenção por ser consumidor? Dir-me-ão que estou a ser demagógico. Talvez. Mas certamente é também demagógico o argumento de que por se ter uma participação numa sociedade imobiliária, um governante fica diminuído na sua isenção por poder tirar alguma vantagem numa transação de um (ou vários) terreno(s). O argumento é de tal forma falacioso, que até que um qualquer particular não pode vender ou comprar um terreno se não tiver uma imobiliária.

Mas francamente o mais ridículo disto tudo é não se estar a discutir o essencial. Mas afinal para que serve a alteração legislativa que o Governo levou a cabo? Ora, a alteração prevê um mecanismo simplificado para permitir a reclassificação de solos rústicos em urbanos, de modo a permitir a construção nesses terrenos, ou seja, o objetivo final é aumentar os terrenos disponíveis para construção de habitação e reforçar a resposta à crise habitacional.

Segundo o Governo, a alteração vai permitir edificar mais habitações para venda a preços mais justos e acessíveis, para que as famílias tenham acesso a casas de valor mais baixos, em relação aos praticados no mercado, garantindo que o crescimento urbano ocorre de forma ordenada.

Note-se que a nova legislação não compromete a proteção ambiental e agrícola e mantém a decisão sobre a reclassificação dos solos nas mãos dos Municípios, assegurando um processo transparente e controlado.

Aliás, importa sublinhar que para que um terreno passe de rústico a urbano, o processo passa por quatro etapas: 1- pedido de um particular ou da Câmara Municipal para iniciar o processo; 2- apreciação técnica dos serviços municipais; 3 – aprovação na Câmara Municipal; 4 – deliberação da Assembleia Municipal, que tem a palavra final. Sem o cumprimento destas etapas, não há reclassificação nem urbanização possível. Portanto, a reclassificação dos solos de rústico para urbano é decidida pela Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara Municipal, num processo colegial e transparente, suscetível de escrutínio, para evitar possíveis acusações de benefícios e até práticas corruptivas.

No meio de toda esta controvérsia artificialmente inflamada, perde-se o verdadeiro foco do debate: a necessidade urgente de políticas que respondam eficazmente à crise habitacional. Em vez de se alimentar suspeitas infundadas e narrativas populistas, seria mais produtivo discutir como garantir que esta alteração legislativa cumpra os seus objetivos de forma eficiente e transparente. O país precisa de soluções concretas para aumentar a oferta de habitação acessível, e não de distrações que apenas alimentam a desconfiança generalizada na política.

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