Opinião CCP | “A lotaria da comprovação de encargos com a valorização de imóveis”
Nos termos do artigo 51.º do CIRS, para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem, nomeadamente, “os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º”. Ora, esta é uma das áreas frequentemente sujeita a controlo por parte da administração tributária, que ocorre mais ou menos nestes meses, sendo os contribuintes, na sequência da entrega da Declaração Modelo 3, chamados a comprovar as eventuais “despesas e encargos” que mencionam no Quadro 4 do Anexo G, no caso de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. E aqui começa a lotaria. Pode ser que encontre um interlocutor que considere que “as faturas relativas à piscina (ou a qualquer outra obra) não podem ser aceites porque não foi apresentada à AT a declaração modelo 1 do IMI, com as alterações ao bem imóvel”. É caso para dizer que teve azar. Com efeito, o CAAD vem decidindo que (Processo n.º 8/2021-T): III – A exigência constante do artigo 13.º, n.º 1, alínea d), do CIMI para a apresentação pelo sujeito passivo de declaração destinada à inscrição ou atualização da matriz quando se concluírem obras de “melhoramento” que possam determinar a variação do valor patrimonial tributário do prédio, não constitui critério para a qualificação das obras de valorização dos bens, para efeitos de mais-valias. A própria AT, na Informação Vinculativa n.º 27918, já esclareceu que “No que concerne à apresentação da Modelo 1 do IMI, e para efeitos do artigo 51.º do Código do IRS, não existe obrigatoriedade na sua entrega”. Pode ser que encontre um interlocutor que entenda que o encargo em causa se trata de uma simples despesa de conservação e manutenção. Neste caso, é preciso ter sorte no processo que se segue. Tem-se vindo a formar alguma jurisprudência no sentido de que apenas deverão ser considerados como abrangidos pela previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º, os encargos efetivamente suportados que sejam suscetíveis de valorizar economicamente o bem alienado, excluindo-se as simples despesas de conservação e manutenção, ou seja, não estão incluídos encargos que tenham por escopo a mera preservação do valor do bem, mas, tão só os que se destinem a aumentar esse valor. Como refere o Acórdão do STA, de 18.11.2009, no Processo n.º 0585/09: “(…) Este conceito de «encargos com a valorização dos bens» encerra alguma margem de indeterminação e necessita de ser preenchido.” O problema é que cada um preenche à sua maneira. Considera a AT que está afastada da norma a realização de despesas que não aumentem o valor intrínseco do imóvel, bem como aquelas que não integram de modo definitivo o imóvel (como, por exemplo, mobiliário ou eletrodomésticos) e, ainda as obras de conservação ordinária (por exemplo, substituições de lâmpadas ou pintura do imóvel) e as de conservação extraordinária, decorrentes de situações pontuais e esporádicas, mas igualmente necessárias, como a substituição de janelas, portas ou telhados danificados, ou a substituição do pavimento. Considera, porém, alguma jurisprudência que “as obras que visam suprir as deficiências de habitabilidade do edifício, por efeito do seu adiantado estado de degradação, são obras de valorização dos bens, para efeito do referido artigo 51.º, n.º 1, alínea), CIRS.” Portanto, tanto pode encontrar um interlocutor que entenda que as obras que visam suprir as deficiências de habitabilidade do edifício, por efeito do seu adiantado estado de degradação, são obras de valorização dos bens, para efeito do referido artigo 51.º, como pode encontrar outro que entenda que são obras de conservação todas as destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente as obras de restauro, reparação ou limpeza. O que significa que, se substituir a alcatifa que já está degradada e tem ácaros, um poderá dizer que se trata de um encargo com a valorização do imóvel e outro poderá entender que se trata de uma despesa de conservação. O bem senso diria que o mesmo imóvel com uma alcatifa ou uma pintura nova tem mais valor (por referência ao momento anterior à realização da obra e não, como é óbvio, ao momento e estado em que foi adquirido) do que o mesmo imóvel com a alcatifa ou a pintura degradada, mas se é ou não um encargo com a valorização do imóvel…a sorte o dirá. Pode ainda encontrar um interlocutor que considere que não está comprovada a ligação ao imóvel alienado. Neste caso, também é preciso ter sorte e encontrar um interlocutor que não precise de ver para crer. Se for como São Tomé, a comprovação pode virar um calvário. Como é evidente o encargo tem de estar relacionado com o imóvel alienado. Considera a AT (Informação vinculativa n.º 3918) que “quando se trata de materiais adquiridos para a realização da obra, separadamente da mão-de-obra, porque a mera aquisição dos mesmos não basta para comprovar a realização das referidas obras no imóvel alienado, não podem tais encargos (meros materiais adquiridos) ser considerados como elegíveis para efeitos do estabelecido no artigo 51.º do Código do IRS”. Portanto, por exemplo, se for comprar azulejos (materiais) a um armazém (sendo que a fatura, como é evidente, não identifica o local de aplicação desses materiais) e a sua colocação for feita por um pedreiro, que naturalmente só fatura mão-de-obra, terá certamente um problema para comprovar a sua aplicação no imóvel posteriormente alienado, sobretudo se o dito interlocutor só acreditar naquilo que vê. Se comprar um fogão de encastrar ou colocar um ar condicionado arrisca-se a ter de discutir se esses bens integram ou não de modo definitivo o imóvel. E, se conseguir superar esta fase de comprovação da ligação ao imóvel, é necessário demonstrar que os “encargos foram realizados”. Neste caso, a sorte é diretamente “proporcional” ao […]
04 Ago